Odeio desertos. Sempre se pensa muito quando está sozinho com seus pensamentos e esse mundo já não suporta mais gente assim.
Se existissem vidros nesse veículo, com certeza o único som, tirando o do motor, seria o som do vento passando por ele. Mas para isso precisaria ter um sistema de resfriamento no interior do veículo, já que as temperaturas batem 48º a cinco dias.
O cansaço causado pelo calor já não interfere mais em meu reflexos. O lenço que protege boca e pescoço, junto com esses óculos inconvenientemente grossos e escuros fazem seu papel em me proteger desse mundo sujo e poeirento. Nem meu cheiro incomodam mais. Nem as luvas incomodam mais.
São dezesseis longos anos em adaptação. Dezesseis anos em que, tudo o que gostávamos, prezávamos, sabíamos, acreditávamos, lutávamos, desapareceu. Apenas um monte de poeira, corpos e tecnologia inútil espalhados pelo horizonte.
Honestamente não se sabe se ter sobrevivido a tudo aquilo, constitui benção ou maldição. O que sabemos é que se existe Deus, com certeza ele não é um cara com boas intenções.
Os antigos dizem que estamos melhores agora. Os mais novos amaldiçoam os mais antigos exigindo o extermínio da espécie. E os que nascem já não são parecidos com nenhum deles.
O que lembro do mundo antigo é que as pessoas sempre desejavam um futuro ruim, alegando ser mais interessante que a vida que tinham. Agora são essas mesmas pessoas que tentam, em vão, se matar. Afinal o cérebro já não é mais o mesmo. Nossa pele já não é mais a mesma. Nossos olhos, ouvidos, pulmões, estão bem diferentes. Se ruim ou bom, é o que temos para sobreviver.
Mas sobreviver a quê? Por quê?
O que não daria por um bom gole de água fresca sem gosto de radiação. Ou dormir sem ouvir o som da desolação rondando minha cama.
Tudo o que eu quero é fazer essa entrega e me perder numa boa garrafa de alcool. Esquecer dessa melancolia que chamamos vida. Esquecer desse calor infernal.
Odeio desertos.
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